quinta-feira, 28 de julho de 2011

DE REPENTE, ME DEU UMA VONTADE DE VOAR...

MARIA: Sabe Vento... Uma vez a Tia Aurélia me disse que se a gente esfregasse asas de passarinho nas costas, cresciam umas asas na gente, e a gente voava!

VENTO: E você esfregou?

MARIA: Sim... Eu esfregava nas costas dela e ela na minha... Combinamos de voar juntas! Mas aí a Tia Adelaide descobriu tudo e colocou eu e a Tia Aurélia de castigo, escrevendo duzentas vezes: “Só quem voa é passarinho, criança estuda para servir o Brasil!”.

VENTO: Essa sua Tia é de morte...!

MARIA: Ela só pensa no Brasil. Nunca pensa na gente...

VENTO: Mas você gostaria de aprender a amar o Brasil na minha cacunda?

MARIA: Mas a Tia Adelaide vem também?

VENTO: NÃAAOO!!! Você aprende tudo sem livros... Sem Tias... Só olhando!

     Este é um trecho do espetáculo “A Menina e o Vento”, do qual faço parte, da Cia República Ativa de Teatro, que encerra sua primeira temporada amanhã, dia 29/07, no Teatro Amil, em Campinas. Conta a história de Maria, uma menina cheia de vontades que se contra com o vento, para encontrar a si mesma. Aproveito a oportunidade para convidá-los a uma reflexão sobre o tema.



     Qual é o ser humano na face da Terra que nunca pensou em voar? Acho impossível alguém nunca ter se imaginado flutuando entre nuvens, ao lado dos pássaros ou das estrelas. Quem nunca se imaginou tentando chegar, assim, tão pertinho de Deus? E porque será que todos nós, pelo menos uma vez, já sentimos essa vontade? Ouso arriscar uma resposta.

     Vivemos num mundo cheio de regras. E essas tais regras entram bem cedo em nossas vidas. Assim que nascemos já temos que ter hora para mamar, hora para dormir... E até que nos acostumemos que o momento de dormir é quando tudo fica escuro, somos tachados de “bonzinhos” ou “chatinhos”. Isso sem falar sobre esses panos que, imediatamente, são colocados em cima de nosso corpo. Estava tudo tão bom dentro da barriga da mamãe... Acho que a roupa é a primeira “algema” que ganhamos...

     Passados alguns meses, já acostumamos com essas primeiras regrinhas. E aqueles panos tornam-se até agradáveis, pelo menos têm a função de aquecer. E quando tudo parece estar bem, mamãe tem que voltar a trabalhar (uma regra que aprenderei mais tarde). Vou ter que me acostumar ou com a vovó ou com a titia. Na ausência de ambas, não há outra saída: escolinha. “- Adadá abadadú catadungo! (tradução: - Mas peraí! Ainda não é hora!). Mamãe diz: - Calma, meu filho, você se acostuma...

     Sábias palavras de mamãe... Em alguns meses eu já estava craque na rotina da escolinha! Chego cedo. Continuo minha sonequinha que fora interrompida. Primeiro lanche. Ouço umas musiquinhas bem divertidas. A tia tenta me ensinar uns gestos diferentes a cada refrão da música. Aprendo. Hora do almoço. Mais um pouco de sonequinha. Segundo lanche. Agora é a hora de assistir um vídeo que a tia coloca, com uma moça loira cantando e dançando, que também está tentando ensinar uns passinhos a cada frase da música. Aprendo. Brinco com os brinquedos coletivos da escola. Mamãe vem me buscar! Eba!

     Ao passar dos anos, a rotina da escolinha continua praticamente a mesma, com a diferença que agora estão tentando me ensinar a ler e a escrever. Dizem que sem isso eu não serei ninguém na vida. No mundo dos homens, não mesmo! Aprendo, lógico! Sem falar que algumas coisas já estão mudando... Os momentos de brincadeira estão cada vez menores e os de estudo, maiores... A prova disso é que agora só é permitido levar brinquedo para a escola na sexta-feira... Tudo bem... Concordo... Não há outro jeito...

     Já estou mais grandinho... Agora tenho váaaarias tias na escola. Uma para cada matéria. E como me tratam diferente da minha tia de antes... Nem posso mais chamá-las de tia. Uma vez me confundi e a resposta que obtive foi: “- Por acaso eu sou irmã da sua mãe?”. Nunca mais infringi essa regra!

     Agora, já sou um jovenzinho, não fujo mais das meninas (pelo contrário!), mas agora que quero estar perto delas, não posso! É proibidíssimo namorar na escola... Preocupo-me com as roupas que tenho que vestir, com as músicas que tenho que gostar, com as pessoas que tenho que andar (claro! Não quero parecer um nerd!)... Ai meu Deus! Mais regras? Queria tanto ser guiado apenas pela minha vontade... Tudo bem, eu me acostumo...

     Ano de vestibular... Esse foi bem fácil de assimilar as novas regras! Tudo bem simples: Estudar... Estudar... Estudar... Ah! Quase me esqueço de dizer... E estudar!

     Gostei muito da época da faculdade! Parece que as regras são impostas apenas por você, por tudo que te ensinaram antes. Você vai à aula se quiser, fica na aula se quiser, sai da aula quando quiser... Mas lembre-se: Se quer ser alguém na vida, no mundo dos homens, precisa ter uma profissão! E sendo assim, você acaba ficando, em quase todas as aulas. Cuidado com o bar! É a maior das tentações nesse período!

    Finalmente tenho um emprego fixo, registrado, com carteira assinada, décimo terceiro, férias (uuhhuuu!), vale transporte, vale refeição, participação nos lucros, tudo certinho, como manda o figurino! É aí que vem o maior número de regras. Mas pelo menos você tem seu salário, sua casa, tem como sustentar sua família (família? Como assim? Já casou? Puxa... Então esqueci de dizer sobre as regras do casamento... Xiiii... Melhor deixar pra lá...), seus filhos (Meu Deus! Eu é que terei que ensinar todas as regras do mundo dos homens para ele? Socorro!!!!). E parece que a coisa só vai piorando com o passar dos anos... Melhora apenas quando chegamos à terceira idade, quando parece que voltamos a ser crianças novamente... Que bom! Acho que é o prêmio por anos de obediência! Deve ser...

    A vida vai nos ensinando essas tais regras porque o nosso mundo é assim! Porque, infelizmente, precisamos delas para sobreviver. Se não, ficamos para trás... Não nos adequamos bem ao ambiente escolar, não seremos inseridos no mundo do trabalho, não cuidaremos bem de nossos filhos, de nossa família... Etc etc etc... Mas, às vezes, gostaria de ter nascido um animal irracional, para deixar a natureza agir, seguir a ordem natural das coisas, e não uma série de imposições que são necessárias para a sobrevivência, no mundo dos homens.

     Somos transformados sim! Desde o momento em que nascemos... E isso me faz questionar... Quem é mesmo o animal racional? Aquele que segue seu instinto, sua natureza, ou aquele que passa a vida toda tentando se moldar à regras impostas, sabe Deus por quem?

     De repente, me deu uma vontade de voar...


     E você que quiser conhecer Maria, uma menina que tenta se libertar, que tenta se guiar por suas vontades, que decide viajar na cacunda do vento, venha nos assistir! A última chance (por enquanto) é amanhã (29//07 – às 16h)! Lembrando que é um espetáculo infantil, super lúdico, encantador, que fala de liberdade ao universo infantil! As linhas escritas acima são somente pensamentos da atriz, ok? Rs... Espero vocês!
Vivi Gonçalves
28/07/2011